Doses lentas de café


Enjoo facilmente da mesmice. Enjoo da mesma música, da mesma voz, do mesmo estilo. Enjoo das mesmas cores. Enjoo do meu cabelo e da moldura que envolve minhas lentes de aumento. Gosto de tudo em poucas doses, tipo como se bebe café. Pra mim a vida é como doses lentas de café, as vezes doses quentes, as vezes doses frias, Mas nem sempre o quente significa ser o mais doce, ou o frio ser amargo. Cada dose é única, por isso gosto das coisas em quantidades moderadas, para que eu possa degustar cada detalhe do seu singular. Voltando, facilmente enjoo da rotina, daquela falta de adrenalina que faz o corpo suar. Enjoo dos mesmos gostos, mesmos sabores, mesmos amargos e mesmos simpáticos. Enjoo das mesmas cidades, mesmos estados e mesmos sotaques. Enjoo dos mesmos bares, mesmas festas, mesmos drinks e cervejas geladas. Por vezes até me proíbo de ouvir tal banda, comer tal comida, ir em tal lugar, usar certa roupa, beijar erradas bocas, só para não enjoar delas. Mas sabe o que não entendo? Não entendo porque que de ti não enjoo tão fácil como os outros. Já enjoei do teu cabelo, tão estranho quanto o seu humor. Enjoei das músicas que ouve pela manhã, no final da tarde ou na hora que quer me agarrar. Enjoei do timbre da sua guitarra, tão desafinada que nem sei como conseguia ficar te ouvindo tocar. Enjoei da tua barba, ou da falta dela. Enjoei da tua estante que nunca teve nada de interessante. Enjoei dos teus sapatos, dos teus passos, do teu jeito de dançar. Enjoei da tua voz, do teu nome estranho, da tua maneira de acordar e não acordar. Enjoei da tua comida salgada e dos vinhos secos que me fazia beber aos domingos. Enjoei do teu jeito de levar a vida. De tu me querer, mas querer só pela metade. Enjoei desse teu medo estúpido do que eu nem sei. Enjoei de tudo de que te diz respeito, menos de ti.

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