Música dos ventos

De manhã cedo jogou a rede pra cima, tirou a poeira e a armou no seu lugar, na varanda a beira da praia. Fez suas preces, agradeceu pelo ar e pelos ventos que por hora traziam boas noticias. Pediu perdão pelos falsos julgamentos alheios e principalmente pelos falsos julgamentos de si. No passar do tempo não recuou, foi ao encontro do mar, naquela tarde de sol forte, foi queimar a pele, dourar os pêlos, sentir o corpo esquentar. Quis sentir a terra esfarelada sob os pés, quis beijar o mar com o corpo inteiro. E foi. Em outros tempos estaria enfurnada num quarto fechado, no ar gelado do conforto domestico, vendo um filme, comendo porcarias, pensando em vidas. Mas o mundo girou mais rápido que seu raciocínio simples, quebrando toda a sua lógica, tirando toda a sua certeza dos futuros dias iguais. O jeito foi se jogar no mar e sentir os cabelos dançarem com a música dos ventos. E ela foi. Se jogou no mundo, levou dois caldos, caiu no chão, levantou tonta da água salgada e começou a rir, porque antes rir de si mesmo do que qualquer outra coisa nesse mundo. Caminhou sob a areia, carregando a canga em suas mãos e sentindo as ondas chegarem timidamente perto de seus pés. Viu o pôr do sol, encontrou amigos antigos e se pôs a sentar nas pedras, cantando músicas dos velhos artistas tradicionais da sua região. De noite voltou para sua casa, a rede ainda estava lá balançado sozinha com o vento. Tomou um banho frio, lavou os cabelos, tirou o muito do sal e a pouca areia que ainda estavam em seu corpo. Deitou na rede e adormeceu sem pensar em mais nada. No outro dia acorda com seu telefone tocando. Atende e reconhece a voz que falava do outro lado da linha. Estremece por dentro, mas por fora escolhe continuar com a serenidade da leveza do dia anterior. Recusa o convite feito pela voz. Voz que por outrora já se fez mais doce em seu pescoço. Desliga o telefone, respira olhando pro mar e fecha as cortinas da varanda, só pra fazer sombra em seu rosto e voltar a dormir sem pensar em mais nada, a não ser no aconchego daquela rede com seu corpo.


Comentários